Federação Alentejana de Caçadores tutela cerca de 12 mil praticantes
A CASA DOS CAÇADORES
A rola comum, o pato-real, a galinha de água e o pombo torcaz já estão na mira das espingardas. O calendário venatório está em curso e, no próximo domingo, já se podem caçar codornizes, coelhos-bravos e lebres.
Podem caçar-se se os houver, claro, porque as espécies cinegéticas debatem-se com diversos problemas sanitários, nomeadamente a lebre, o coelho e a perdiz, como identifica o presidente da Federação Alentejana de Caçadores (FAC) José Lopes Bernardino. Os calendários venatórios, o desempenho da FAC e uma eventual suspensão temporária da atividade cinegética são temas aqui abordados pelo dirigente regional de uma atividade que começou por ser uma necessidade para a sobrevivência do homem, evoluiu como contributo para o equilíbrio ambiental e até como atividade económica, mas tem variantes competitivas.
Face a toda a evolução que a sociedade regista, podemos perspetivar a caça como um desporto?
A caça já não é, em geral e em quanto atividade dirigida a espécies silvestres ou assilvestradas, uma prática de coleta alimentar. Para a maioria dos caçadores, a caça assume-se como um imperativo genético decorrente do percurso que o homem realizou ao longo da sua evolução, que o guindou a espécie dominante, posição de que não devemos, em momento algum, ter vergonha. A caça não deve ser perspetivada como um desporto – não pode ser uma competição com outrem por mais morte. A competição deve cingir-se à que cada um travar consigo próprio e as suas limitações, de carácter físico, da capacidade para se sacrificar, das suas competências para perseguir e, finalmente, por vezes, realizar o abate.
A Federação tem cumprido os pressupostos que lhe deram origem?
A FAC foi fundada em 1988 para contribuir ativamente para o ordenamento cinegético do Alentejo e do País. Podemos dizer que tem cumprido os pressupostos que orientaram a sua constituição. Ainda assim, os seus órgãos sociais gostariam que, enquanto única federação sediada no Alentejo e para o Alentejo, fosse a casa de todos os caçadores da região e das suas organizações, o que não é a realidade atual. Temos cerca de 270 associados, clubes, associações, gestores de zonas de caça associativas e municipais e de zonas de caça turística. Constitui das maiores manifestações associativas a nível nacional, mesmo para lá do setor da caça. Detém a representação, indireta, de cerca de 12 mil caçadores.
Os atuais calendários venatórios estão ajustados às existências das espécies? Os ciclos reprodutivos não permitem calendários mais dinâmicos?
Neste âmbito, é preocupante a irregularidade crescente dos ciclos reprodutivos de diversas aves, das perdizes aos passarinhos. Hoje, a gestão das espécies é responsabilidade comum. Os calendários cinegéticos têm os ciclos reprodutivos e migratórios como referência, o que se afigura como critério a seguir. Por isso, o calendário da caça à rola foi retardado, porque se verificava a existência de casais em criação perto da abertura da caça, como o fim da caça da galinhola foi antecipado pelo crescimento das gónadas a partir do fim de janeiro, etc. A título de exemplo, não basta vermos os tordos, por vezes em março, para fazermos passar a ideia de que a caça deve ser prolongada – temos de demonstrar que o ciclo reprodutivo não se inicia enquanto estão entre nós ou acontece mais tarde do que o avaliado.
Os efetivos de algumas espécies têm diminuído drasticamente e em algumas delas estão identificadas problemas sanitários (febre hemorrágica e mixomatose) que podem levar á sua extinção?
As espécies cinegéticas estão confrontadas com problemas diversos, inexistentes, ao nível atual, na nossa memória coletiva, fruto das alterações climáticas, da introdução de vírus na natureza, operada pelo homem para controlo das populações de coelhos e, por último, da introdução de híbridos de algumas espécies, cujos efeitos, a prazo, não estão avaliados e assumidos. As espécies que podem transformar-se nas principais vítimas estão identificadas – a lebre, o coelho e a perdiz. Não cremos que venham a extinguir-se por isso, mas não conseguimos desenhar o seu futuro, quer ao nível populacional, quer da sua identidade genética, caso os problemas em causa não sejam atalhados de forma séria.
Existem opiniões, até de movimentos de caçadores, de que a atividade cinegética deveria ser suspensa por um determinado período. Qual a opinião do presidente da Federação Alentejana de Caçadores?
Os autodenominados movimentos organizados de caçadores que defendem, como solução para a caça, a suspensão da atividade cinegética durante alguns anos, estão identificados, apesar de não se lhes conhecer representatividade, mas deles se saber a proximidade frequente a quem no País quer acabar com a caça. Na nossa opinião, a defesa que dizem fazer dessa medida assenta no desconhecimento e no preconceito. Hoje, os problemas já não são essencialmente os da pressão exacerbada e as soluções passam por questões técnicas, científicas, de vontade política e disponibilidade financeira para as levar a cabo, muito para além da simples suspensão da atividade, que não só nada resolve, como pode agravar o que não está bem.
Está confiante no futuro da caça em Portugal?
O estado a que chegaram as espécies emblemáticas da nossa fauna cinegética – a lebre, o coelho, a perdiz – não é da responsabilidade do setor da caça. Apesar disso, estamos confiantes na nossa capacidade para contribuir para que o setor seja determinante na sua recuperação se, como se impõe, o Estado fizer desse desiderato um objetivo nacional.
Fonte: Diário do Alentejo | 28 de agosto de 2020 | 15